Por Anísio Costa Castelo Branco, Perito Judicial e Delegado Nacional ABRAPEJ
Em um cenário jurídico cada vez mais complexo e marcado pelo avanço das técnicas de ocultação patrimonial e movimentações financeiras suspeitas, a atuação defensiva nos crimes de lavagem de dinheiro exige não apenas argumentação jurídica robusta, mas sobretudo provas técnicas e análises patrimoniais consistentes. É nesse contexto que ganha destaque a perícia investigativa financeira, aliada à inovação normativa representada pelo Provimento nº 188/2018 da OAB e pela Resolução Normativa nº 593/2020 do CFA.
A ruptura da passividade da defesa:
Historicamente, a defesa técnica operava em posição reativa, aguardando a conclusão do inquérito ou o oferecimento da denúncia para, então, iniciar a análise probatória. Esse modelo se mostrou ineficiente, especialmente em delitos de ordem econômica, onde a velocidade na produção da prova é fator determinante para o sucesso da estratégia defensiva.
O Provimento nº 188/2018, editado pelo Conselho Federal da OAB, rompe com esse paradigma ao reconhecer a investigação defensiva como instrumento legítimo e autônomo da advocacia. Em seu art. 1º, §1º, o provimento deixa claro:
“A investigação defensiva poderá utilizar-se de todos os meios e técnicas de obtenção de prova admitidos em Direito, inclusive perícias.”
Com isso, o defensor pode, desde o início do procedimento investigativo, requisitar documentos, colher depoimentos, realizar perícias extrajudiciais e produzir elementos técnicos capazes de fundamentar a tese defensiva ainda na fase pré-processual.
A Resolução nº 593/2020 e o papel dos peritos investigadores:
Complementando o avanço normativo, a Resolução Normativa nº 593/2020 do Conselho Federal de Administração estabelece diretrizes para a atuação de administradores e especialistas na condição de peritos investigadores, que atuam em parceria com advogados, especialmente em investigações patrimoniais e financeiras.
No artigo 3º, inciso III, a norma dispõe expressamente que é atribuição do profissional:
“Análise de crimes de ordem financeira, administrativa e econômica, com a devida elaboração de parecer técnico, laudo ou relatório.”
Esse respaldo é essencial em casos de lavagem de dinheiro, nos quais é necessário analisar:
• a origem dos recursos utilizados em transações suspeitas;
• a inconsistência entre evolução patrimonial e renda declarada;
• o uso de interpostas pessoas (laranjas);
• operações financeiras em paraísos fiscais ou com lastro fictício.
A Resolução, portanto, consolida o papel do perito administrador como agente técnico da verdade na esfera extrajudicial, atuando com legitimidade no apoio às estratégias da advocacia, inclusive na fase de investigação defensiva.
A perícia como instrumento de reconstrução da verdade:
A perícia investigativa financeira defensiva permite a reconstrução técnica da realidade econômica do investigado, com base em documentos bancários, declarações fiscais, contratos, escrituração contábil e outras evidências documentais. Essa reconstrução pode não apenas rebater laudos oficiais frágeis ou tendenciosos, mas ainda provar a inexistência de dolo, o caráter lícito de movimentações financeiras e a ocorrência de erro material na análise feita pela acusação.
Não raro, a perícia demonstra que o enriquecimento apontado como injustificado resulta de operações antigas, lícitas e devidamente declaradas — mas que não foram corretamente compreendidas pela investigação policial ou pelo Ministério Público.
Casos práticos e jurisprudência favorável:
Tribunais superiores têm reconhecido a importância da perícia técnica na desconstrução de acusações de lavagem de dinheiro. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que a complexidade dos crimes econômicos exige que a prova pericial seja avaliada com rigor e que a ausência de perícia contábil pode comprometer a validade da acusação (REsp 1.643.051/SP).
Mais recentemente, decisões têm acolhido laudos técnicos produzidos pela defesa com base no Provimento 188 da OAB, como elemento legítimo de prova, desde que fundamentados e acompanhados de documentação comprobatória.
Conclusão:
A perícia investigativa financeira surge como ferramenta indispensável na atuação da defesa em crimes de lavagem de dinheiro. A atuação conjunta entre advogados e peritos, respaldada pelas normas da OAB e do CFA, consolida uma prática ética, técnica e estratégica, que promove a paridade de armas e o equilíbrio no processo penal.
É preciso compreender que, em um mundo movido por dados, registros bancários e dinâmicas financeiras globais, não há espaço para uma defesa que não domine a linguagem dos números. A investigação defensiva, sustentada por perícias financeiras rigorosas, representa não apenas uma inovação normativa, mas um compromisso com a justiça real.
Sobre o autor:

Anísio Costa Castelo Branco é perito judicial, educador financeiro, presidente e delegado nacional da Associação Brasileira dos Peritos e Administradores Judiciais (ABRAPEJ). Atua há mais de 20 anos em perícias econômicas, investigações financeiras e defesa técnica em processos de alta complexidade.
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